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31 maio, 2013

Das Dedaleiras para os fármacos: Uma breve discussão sobre o o uso clínico da digoxina

Por Tiago Farias, graduando do 6º Período de Medicina da Universidade Federal da Paraíba

O extratato das folhas de Digitalis purpurea foi usado por muitos séculos sendo seu uso descrito até para o “mal dos reis” (uma forma de tuberculose dos nódulos linfáticos). Em 1775 William Withering despertava para o seu uso em hidropsia, um acumulo de líquidos no abdome e membros inferiores, que hoje sabemos ser por insuficiência cardíaca (IC). A partir daí outros médicos da época continuaram os estudos sobre o extrato da planta que continuam até hoje.
Atualmente sabemos que essa substância é a digoxina usada largamente para insuficiência cardíaca.  Seu mecanismo de ação é devido ao bloqueio da bomba de Na/K levando a um acúmulo de Na intracelular que por sua vez inibe o trocador de Na/Ca de membrana aumentando a concentração citoplasmática de Ca levando a um efeito inotrópico positivo. A digoxina também aumenta a atividade vagal e por isso esse fármaco é cronotrópico e dromotrópico negativo, ou seja, diminui a frequência cardíaca e a condutibilidade das fibras do sistema condutor do coração, respectivamente. Por causa disso, deve se ter extremo cuidado em pacientes em uso de digoxina e que apresentem distúrbios de condução como BAV e bloqueios de ramo.
Hoje sabemos por meio de livros, diretrizes e outras fontes cientificas é que a digoxina não aumenta a sobrevida dos pacientes com IC e seu uso consiste basicamente na melhora dos sintomas e controle da frequência cardíaca nessa entidade patológica.  Foi por intermédio dos estudos PROVED e RADIANCE (1993) que ficou determinada a influência clínica na melhora dos sintomas com a digoxina, mas em 1997 o estudo DIG revelou que a digoxina apesar de diminuir o número de hospitalizações não modificou a mortalidade.
Posteriormente em análises de estudo DIG alguns autores questionaram sobre as concentrações plasmáticas de digoxina, que afetariam na mortalidade e que não foram avaliadas no pelo DIG, que em um dos estudos mostrou em subgrupos onde a concentração plasmática da substância variava de 0,5-0,9 ng/ml houve redução das hospitalizações e mortalidade. Então fica a duvida, diminui mortalidade ou não? Outras avaliações mostraram que no subgrupo de pacientes que tinham arritmia a digoxina aumentou a mortalidade. A dúvida não foi sanada?
O que nós podemos afirmar, nesse momento, sobre o tratamento da IC com digitálicos é o que nos diz a diretriz brasileira de insuficiência cardíaca de 2012.
A digoxina pode ser usada em pacientes que continuam sintomáticos apesar de terapia otimizada com beta-bloqueadores e IECA e que tenham ritmo sinusal além de fração de ejeção < 45%. Seu uso nesse caso é para melhoria dos sintomas (Classe I; Evidência A). Outro uso seria no controle da frequência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial sintomáticos também com terapêutica otimizada com BB e IECA (Classe I; evidência C). A diretriz ainda fala em mais duas aplicações da digoxina na IC, mas onde a classe de recomendação é III e o nível de evidência C.
Por fim, vale lembrar as contraindicações e os fármacos que interagem com a digoxina.
Contraindicações
Presença de bloqueio átrio-ventricular completo ou intermitente, ou outros tipos de arritmias cardíacas (alterações no ritmo de batimento do coração), tais como: bloqueio atrioventricular de segundo grau (especialmente se houver história de Síndrome de Stokes-Adams) e taquicardia ventricular (aumento no ritmo cardíaco) ou fibrilação ventricular.
Outros tipos de doenças cardíacas, por exemplo: cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica, a menos que haja fibrilação atrial e insuficiência cardíaca concomitantes, mas, mesmo neste caso, deve-se tomar cuidado caso a Digoxina seja utilizada.
(Anvisa, modelo de bula da digoxina.)



Interações medicamentosas
Os níveis séricos da Digoxina podem ser AUMENTADOS pela administração concomitante das seguintes drogas: amiodarona, flecainida, prazosin, propafenona, quinidina, espironolactona, antibióticos macrolídeos (p.ex.: eritromicina e claritromicina), tetraciclina, (e possivelmente outros antibióticos), gentamicina, itraconazol, quinina, trimetoprima, alprazolam, indometacina, propantelina, nefazodona, atorvastatina, ciclosporina, epoprostenol (transitório) e carvedilol. 
Os níveis séricos da Digoxina podem ser REDUZIDOS pela administração concomitante das seguintes drogas: antiácidos, alguns laxantes formadores de massa, caopectina, colestiramina, acarbose, sulfasalazina, neomicina, rifampicina, alguns citostáticos, fenitoína, metoclopramida, penicilamina, adrenalina, salbutamol e Hypericum perforatum (erva de São João).

Tiago Bruno C. de Farias
BARRETTO, Antonio Carlos Pereira; RAMIRES, José Antonio Franchini. Insuficiência cardíaca. Arq. Bras. Cardiol.,  São Paulo,  v. 71,  n. 4, Oct.  1998 . 
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HELBER, Izo; TUCCI, Paulo J. F.. Digitálicos: os resultados do DIG no século XXI. Arq. Bras. Cardiol.,  São Paulo,  v. 95,  n. 4, Oct.  2010 . 

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